segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Alguém te mostra um bom quadro abstracto





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Uma pessoa olha para uma boa pintura abstracta, por exemplo uma pintura suprematista de Malevitch, e pergunta-me: "o que é que isto quer dizer?", "o que é que isto significa", ou ainda "o que é que isto representa?". Ou, simplesmente: "o que é isto?". Na verdade, estas perguntas pressupõem um parecer que diz mais ou menos isto: "isto não é nada". Com efeito, acertou. Aquilo não é nada. Ou por outra, acertou e não acertou. Porque não deu por que acertou. Ou melhor, não acertou. Como? Não deu pela maneira como aquilo não é nada. Quer dizer, a maneira como essa pessoa entendeu que aquilo não é nada nada tem que ver com a maneira como aquilo pode ser entendido como não sendo nada. Não percebeu como aquilo não é nada, embora tenha dito que não é nada. E, portanto, é alguma coisa; é, pelo modo como nada é, que nada tem a ver com a impreparação que revela aquele comentário inicial perante a obra. Estaria tentado a dizer que aquele comentário, "isto não é nada", revela um grau de abstracção de senso comum, que procura sempre o representável e o que representa, manifestando uma abstracção própria de uma doxa de que se não dá conta. Talvez este seja o sintoma de quando uma abstracção se institui, se normaliza até não darmos por isso, ela devém não-abstracção. Dito um pouco toscamente, a perspectiva (prospectiva) renascentista do quattrocento é uma abstracção quando ela revela ao mesmo tempo o modo como se estrutura o olhar, ou como se processa a nossa visão. Representa esse modo e representa essa representação - abstraindo - com uma imagem pictural, uma pintura como dispositivo. Os movimentos da pintura abstracta do início do séc. XX, p.ex., Malevitch, Kandinsky, Mondrian, relevam de trabalhos e experiências de abstracção pictural. Mas não serão também, numa espécie de avesso, a representação do abstracto da geometria, que não é da ordem do concreto, por exemplo? Mas reenviam para um complexo jogo do concreto e do abstracto através dessas linguagens geométricas e esquemáticas, com "massas picturais" como lhes chama Malevitch. Não são a inversão do mimético da pintura segundo Platão no sentido, precisamente de, ao mesmo tempo serem uma espécie de mimético do não-mimético? Não-mimético que é do plano do eidético (eidos, ideia) e do noético (inteligível) ao tempo daquele grande e admirável filósofo grego? Lembre-se que no tempo de Platão não havia pintura entendida como abstracta na acepção que damos à dos pintores que acima referimos...
Mas voltemos ao exemplo que dei: "E, portanto, é alguma coisa; é, pelo modo como nada é, que nada tem a ver com a impreparação que revela aquele comentário inicial perante a obra." Aquela pintura é alguma coisa pelo modo como aquele comentário ("isto não é nada") revela que não deu pelo modo por que não é; mas "não é" diferentemente do modo por que ele acha que "não é". Ele acertou no "não é", mas não acertou no modo como "não é", o que equivale a dizer, neste caso, que tomou o "não é" por "é", sem dar por tal.
É tudo uma questão de estar-se preparado ('preparação' indica 'meditação') para estar simplesmente diante, neste caso, de um quadro abstracto, sem mais.
Um dos grandes paradoxos dos nossos dias é o facto de o mais comum dos humanos viver hoje num regime muito alimentado pelo sensível - e qualquer um de nós passa no dia a dia por momentos, de uma maneira ou de outra, nesse regime - , sujeito a estímulos de toda a espécie, quando afinal, isto se traduz num inteligível e num abstracto, que é como quem diz, num platonismo do avesso, resultado talvez de todo um processo que subverteu o sentido mais profundo da inversão do platonismo nietzscheana. Ou é já o resultado do impulso dado, isto é, como que uma ultrapassagem da própria ultrapassagem (transmutação de todos os valores - transvaloração) da metafísica protagonizada por Nietzsche? Um efeito de surenchére - no sentido de sobrelanço - para usar uma noção de Baudrillard? Resultado, entenda-se, de que Nietzsche não é, todavia, culpado.
Escrevo estas linhas porque tenho muito em conta certa pintura dita abstracta.
Não se trata aqui também de ficar entre Nietzsche e Platão...


Preliminares para uma pintura abstracta:

1ª fase - 13/08/2012


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2ª fase - 14/08/2012




3ª fase - 14/08/2012





4ª e última fase - Títulos possíveis: a) Cor da matéria; b) Ruínas, técnica mista sobre tela, 50cmx50cm, 15/08/2012







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