segunda-feira, 29 de julho de 2013

Esboços, tópicos filosóficos e outros - 1



“Pensamento (dianoia) e discurso (logos) são a mesma coisa, salvo que o diálogo (diálogos) interior (entós) e em silêncio ( sem voz; aneu phonês) que a alma tem consigo mesma recebeu o nome especial de pensamento”

διάλoγoς ἂνευ φωνῆς (diálogos aneu phonês) - diálogo em silêncio ou sem voz.

Platão, O Sofista, 263 e

Este aneu phonês não é senão o eco do avesso. Quer dizer, o eco, o reflexo sonoro, também vocal, da voz exterior.
Diálogo (diá-logos) interior e em silêncio. É um eco, escuta da voz exterior. Daí o 'diá'; não só movimento de dois lados (duplo movimento), mas também o sentido dual. Escuta da voz exterior. Escuta enquanto fala com. Donde diá-logos.
Mas há inscrição. Inscrição nesse rebatimento.
O "diálogo interior e em silêncio que a alma tem consigo mesma" é um momento capital da separação-oposição alma/corpo. Mas foi necessário.

Mas esse momento, para se dar, num outro sentido não deu, ou, pelo menos, precisava não se dar conta, determinante, de que ele mesmo confundia alma e corpo.

Basta haver dois nomes (neste caso 'alma' e 'corpo') para haver separação entre eles. Todavia, isso supõe que, para surgirem como tais, é suposta uma confusão precisamente a evitar.

No Fedro de Platão, algures há uma referência à "escrita na alma" (logomenois (...) graphomenois en psykê): "Discursos (...) escritos na alma ..."
Veja-se Platão, Fedro, 277 e - 278 d.

Links sobre aneu phonês em bLogos:





Platon, Le Sophiste, trad. Auguste Diès, Paris, Les Belles Lettres, 1925.


sábado, 27 de julho de 2013

Que nome? – Questões filosóficas








Luís de Barreiros Tavares: Não sei se estou a repetir-me. Vai uma pergunta um pouco de rompante que poderá no entanto ser útil para alguns leitores. Neste momento não dá para maiores elaborações. Mas interessa-me insistir na questão.
Afinal que nome é esse, o da “forma participial com o sentido nominal” - "o [nome] que é" do to eon - em Parménides?

27/07/2013

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José Trindade Santos: O nome é esse mesmo: to eon, que é traduzido por uma expressão nominal - "o que é" - ou também por 'ser', ou ainda  'o ser'. A origem da expressão são os - "é/não é" (B2.3, 5) - que todos lêem como verbos: "? é/não é ?". A leitura a/p defende que não há sujeito, nem predicado na expressão e que "é/não é" devem ser lidos como nomes.

27/07/2013

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L.B.T. : É um pressuposto?

27/07/2013

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J.T.S. : Não! Um pressuposto é uma condição para que algo seja o que é: se for ladrão, que roube; se for polícia, que policie, etc. 'Ladrão',  'polícia' são os nomes de entidades. Referem-se a indivíduos e às profissões (?) que socialmente os identificam.
'O que é' é o nome da classe que contém todas as coisas que são. Tudo isto tem sentido em Parménides. Em Platão, Aristóteles, 'o que é' já não é isso.

27/07/2013

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quinta-feira, 25 de julho de 2013

E-mails com José Trindade Santos - Filosofia






L.B.T. : Umas questões. Algumas creio já lhe ter posto por outras palavras numa das duas entrevistas. 
a) Considera alguma dimensão espiritual no Poema de Parménides? b) Em que medida a sua leitura poderá ir ou não nesse sentido? c) Por outro lado - isto não é uma provocação mas uma curiosidade - a sua leitura de Parménides poderá ou não ter alguma aplicação, digamos, na compreensão do real dos nossos dias? Quer dizer, no modo de pensar ou numa certa emergência a pensar diferente hoje? Isto tendo em conta, de certa maneira, a antepredicatividade como a recusa a um pensar e agir que se caracterizam por um uso excessivo das coisas, das ideias, muito herdeiro, talvez, da predicatividade constitutiva da tradição do pensamento ocidental-europeu ainda não suficientemente pensado na contemporaneidade. Numa palavra, e para ser mais directo, de que modo o seu pensamento poderá ter alguma aplicabilidade, embora outra, na realidade, no Real, etc.? E se não tem como é que não tem? Qual a sua actualidade?

20/07/2013

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J.T.S. : Esta é das séries de perguntas mais complicadas que V. me enviou.
a) Considera alguma dimensão espiritual no Poema de Parménides? 
Não. Ela está lá, como mostrou K. Rheinardt, em 1916. Mas não me interesso por ela.
b) Em que medida a sua leitura poderá ir ou não nesse sentido? 
Não vai nesse sentido, mas no de uma abordagem lógica e epistemológica do argumento de P. e das consequências que teve na tradição grega. Interessa-me apenas o P. recebido pelos outros pensadores. Essa recepção incide no modo como a argumentação eleática foi acomodada é estrutura doutrinal dos pensadores que a recebem. 
c) Por outro lado - isto não é uma provocação mas uma curiosidade - a sua leitura de Parménides poderá ou não ter alguma aplicação, digamos, na compreensão do real dos nossos dias? Quer dizer, no modo de pensar ou numa certa emergência a pensar diferente hoje? Isto tendo em conta, de certa maneira, a antepredicatividade como a recusa a um pensar e agir que se caracterizam por um uso excessivo das coisas, das ideias, muito herdeiro, talvez, da predicatividade constitutiva da tradição do pensamento ocidental-europeu ainda não suficientemente pensado na contemporaneidade.

P. está presente, mas oculto, no nosso modo de pensar. Há muitos argumentos n.predicativos subsistentes (p. ex. E. Gettier
e os efeitos que o seu artigo de 1964 (?)), como muita bibliografia atesta (v. os PhilPapers). Mas, para mim, o maior interesse da a/p é histórico-filosófico, no que concerne a uma alegada "epistemologia grega arcaica".
d) Numa palavra, e para ser mais directo, de que modo o seu pensamento poderá ter alguma aplicabilidade, embora outra, na realidade, no Real, etc.? E se não tem como é que não tem? Qual a sua actualidade?
Na linha da Fenomenologia, a a/p foi tratada por Husserl, num sentido cognitivo, e por Heidegger, num sentido ontológico e antropológico. Não me interesso por esse interessantíssimo aspecto da a/p. Fale com o Prof. Pedro Alves!


20/07/2013

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Encontros - Pinharanda Gomes



Dois instantâneos












Com Pinharanda Gomes, na Biblioteca Nacional.
23/07/2013







Fotografias de Rui Lopo

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Autoreferencialidade na linguagem - discurso - em Parménides - Conversa com José Trindade Santos









Luís de Barreiros Tavares : Poderá ajudar-nos aqui, leitores do blog "escrita-fone"? Por que reabilita os sofistas (Górgias e Protágoras) no âmbito dos seus estudos da antepredicatividade no Poema de Parménides e no contexto de Platão? Mas tendo em conta principalmente a questão da autoreferencialidade da linguagem, do discurso no Eleata, a par também das suas leituras de Platão. É certo que o seu interessante artigo publicado na revista Dissertatio e re-publicado neste blog trata do assunto:http://escrita-fone.blogspot.pt/search?q=leitura+de+%C3%A9+n%C3%A3o+%C3%A9+
Mas o que lhe peço é uma breve nota, mais acessível e ao mesmo tempo preparatória para leituras mais ou um pouco mais aprofundadas dos seus estudos.
Para já é tudo

09/07/2013

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José Trindade Santos: OK! Estou num colóquio em Brasília.
Respondo logo.

09/07/2013

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J.T.S.: É difícil abordar, quanto mais responder às suas importantes perguntas. Por este meio, só posso dar indicações vagas.
1. Parménides é acolhido por todos os pensadores gregos;
2. Os sofistas (particularmente Górgias) usam os argumentos de P. para denunciar a impossibilidade de chegar à realidade através do pensamento e da linguagem;
3. Platão aceita P., na República, mas a partir do Teeteto começa a tentar incorporar os argumentos dos sofistas, aos quais só responde com êxito no Sofista.
4. Aí, empreende uma revisão da concepção de ‘ser’ eleática, rejeitando o monismo e a imobilidade;
5. Só assim consegue refutar Górgias (reformulando a negativa como alteridade):
6. O que está em causa é a defesa de uma concepção referencialista do saber, pela qual todo o discurso é sobre o real, esboçando uma concepção da ‘verdade’ como ‘correspondência’.

É claro que este programa chega para alimentar um curso semestral. Nestes termos, alinha mal teses que precisam de ser comprovadas nos textos.


10/07/2013






L.B.T. : Obrigado pelas suas palavras.
Todavia, gostaria ainda de colocar-lhe algumas questões quanto à autoreferencialidade da linguagem. Expressão que confesso interessar-me noutros contextos, e neste também, o de Parménides, embora esteja ainda aflorar. Falo da autoreferencialidade analisada no Suprematismo do grande artista plástico Malevitch, partindo do célebre Quadrângulo Negro (1915) e de todo o processo suprematista que se lhe seguiu : http://escrita-fone.blogspot.pt/search?q=suprematismo+malevitch É o post do escrita-fone com mais visitas (cerca de 600), publicado a 5 de Abril de 2012. O José Gil tem estudos muito interessantes sobre estes temas.
Mas retomando a autoreferencialidade em Parménides. Apesar de, segundo entendi, ela não reenviar para um conhecimento da realidade propriamente dita, pergunto se não é condição de possibilidade de pensá-la, para falar kantianamente. É que se assim for, não se conhece a "coisa em si", aproximativamente a realidade, ou melhor, o real. Mas, nessa condição, ela é pensável, é o pensado, precisamente na sua etimologia enquanto “nóumenon” ou “númeno. Creio no entanto que por exemplo os seguintes passos do seu artigo mencionado na mensagem anterior não seguem nessa linha kantiana: “cerne da argumentação sofística”; “Parménides e os sofistas” e “antepredicatividade e cognição”.
Arriscaria uma tese talvez provisória podendo despertar-me algum interesse para mais demorada reflexão. É a de que, posto de parte algum paralelismo ou relação com Kant, há uma outra via, digamos. Ou seja, até que ponto se poderá considerar a sua investigação como uma modalidade do exercício do pensar enquanto tal? Exercício do pensar focalizado na antepredicatividade em Parménides, uma vez que “ que é” ou “o [nome] que é” nem sequer aponta para nóumenon. No fundo esta é uma tese que me parece viável a partir das escassas leituras que até agora fiz dos seus textos, pois o tempo não permitiu mais. Ela carecerá eventualmente de mais trabalho, estudo e argumentação. Mas gostaria de saber se do seu ponto de vista a tese é viável, se é de alguma maneira viável, ou não o é. E como? Ou para simplificar: a sua investigação e pesquisa, pretende situar-se, inscrever-se numa linha de tradição teorética, contemplativa, no sentido grego antigo do pensar, não propriamente platónica, mas deslocando entre Parménides e Platão?
Se interessar...

12/07/2013

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J.T.S. : A ideia de que a referência de Parm a "pensar/conhecer" é 'autoreferencial' decorre da natureza antepredicativa do argumento. 'P/C'  não é uma faculdade relaciona um sujeito com um objecto do "conhecimento". A tese sustenta apenas que um 'P/C' falível não é 'P/C'.
As duas noções do 'conhecimento' envolvidas não são comensuráveis. Ou seja, o 'P/C' só se refere a si próprio, e não a qualquer outra entidade exterior ao 'P/C'.
Obrigado.

12/07/2013

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L.B.T. : Os seus estudos são interessantes, mas densos e difíceis. Para já só mais umas questões. Depois vou recarregar baterias e descansar.
Qual a função do artigo definido ‘o’? Numas vezes refere, noutras não, e noutras ainda o coloca entre aspas: a) “o [nome] que é”, “o [nome] que não é”; “o que é”, “o que não é”; b) “que é”, “que não é”; c) “o” “que não é”, etc.
Creio, por exemplo, que o resumo da sua conferência tem lá algumas respostas quando fala das 4 teses: http://escrita-fone.blogspot.pt/search?q=resumo+de+confer%C3%AAncia
Uma dúvida. No artigo “Parménides antepredicativo” parece-me haver lá uma gralha (pág.5). Ou então estou a fazer confusões. Em vez de “Do nosso ponto de vista predicativo…..”, não será «Do nosso ponto de vista antepredicativo, “é / não é” só podem ser encarados como expressões autoreferenciais, valendo como ‘nome’: “é”, “o [nome] “que é”; “não é”, “o [nome] “que não é”, o “não-nome” (vide anônymon: B8.17)».
Desculpe lá se não estou a perceber bem.

13/07/2013

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J.T.S. : Boas perguntas!
"o", em "o que é" traduz to eon. Sem "o", traduz eon: "que é", "sendo" (mê eon, na negativa: "o que não é"). À vezes a tradução "ser" (melhor que "o ser"!) mete-se no caminho e confunde as questões.
A frase que cita é ambígua. "Do nosso" não é "do meu". Para quem pensa na lógica predicativa e nem consegue imaginar outra, a ideia de que a linguagem se refere ao real é automática. Por isso, é preciso avisa-lo que, se quiser pensar referencialmente, então o 'p/c' se refere a si próprio (subentendendo a fusão do 'conhecimento/conhecer/conhecido'.

13/07/2013

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