quinta-feira, 28 de março de 2013

Algumas questões filosóficas com José Trindade Santos











L.B.T. : Aproveitar enquanto surgem questões...
Eis umas questões que, por um lado parecem um pouco traiçoeiras, e, por outro, banais, pois eu diria que qualquer pessoa as pode colocar. Mas se ninguém tem a coragem de lhas colocar, ao menos tenho eu, mas no sentido do diálogo. Espero, portanto, que não me interprete mal, se é que valem a pena ser respondidas:
1. Todos temos de argumentar sempre de algum modo com a herança silogística aristotélica, ou com os seus ecos. Dito de um modo geral, a implicação "'se', 'então'", que qualquer pessoa diz e pensa, não estará já pressuposta no silogismo aristotélico?
2. No seguimento desta pergunta, gostaria de colocar-lhe ainda outra: a que se deve a inevitável argumentação, segundo aquela herança incontornável, para a sua interpretação, precisamente, do argumento antepredicativo de Parménides?


Estrada da Arruda, Várzea do Brejo, nº36, 2ºDto, Alverca do Ribatejo, 2615-042, Portugal

27/03/2013

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J.T.S. : Não sei responder à primeira pergunta.
Em relação à segunda, estou a tentar despertar uma reacção da comunidade à minha interpretação. Não tive ainda respostas que me permitam avançar para as consequências dessa interpretação.

José Trindade Santos
Condomínio Village Atlântico Sul, R. da Falésia 1260, Casa C6,  Ponta do Seixas, João Pessoa, Paraíba, 58.045-670. Brasil

28/03/2013

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L.B.T. : 1. De facto, a primeira pergunta que fiz parece-me  demasiado circular. Aliás, as duas. Mas retomemos a primeira. Supondo-me no lugar do inquirido, a quem façam uma pergunta deste género, ocorre-me poder voltá-la para o inquiridor, repetindo-lhe o gesto, digamos, e respondendo, por exemplo, com uma pergunta: "e você não formula também a sua pergunta com implicação lógica pressuposta?". Ou seja, por outras palavras, p.ex.: " [Se há] "a implicação "'se', 'então'", que qualquer pessoa diz e pensa, [então] não estará já pressuposta no silogismo aristotélico?".
Parece-me, portanto pertinente a sua interpretação, precisamente na medida em que interpela o predicativo abrindo caminho, espaço e tempo, se assim posso dizer, para a antepredicativo em Parménides, cujas possibilidades - e provavelmente não serão poucas - modestamente desconheço.
De um certo modo, não são hoje os discursos, em geral, por exemplo, os políticos, demasiadamente circulares e pretensamente autofundamentados, herdando toda uma lógica que apenas se aplica como um instrumento (um organon) dado e adquirido? Para não falar de um certo tipo de crítica (p.ex. política), hoje, que se alimenta parasitariamente, diria, do que critica, objectivando, tornando aparentemente concreto os objectos de crítica, a tal ponto que se torna paradoxalmente abstracta no mau sentido. Por outro lado, há hoje críticos da cultura (p. ex., Slavoj Zizek) que, perante a pergunta sobre quais as soluções para os seus objectos de crítica, não respondem com soluções, alegando que esse procedimento seria entrar no jogo dos que lhes procuram soluções. Trata-se antes, segundo essa posição, de criar espaços e condições de possibilidade de outros caminhos de acção e pensamento.

2. Eis que a interpelação do antepredicativo no predicativo me parece uma das pedras de toque da sua muito interessante leitura antepredicativa do argumento do Poema de Parménides.
Isto não foi uma resposta à minha pergunta. Foi a tentativa de rebater este tipo de perguntas circulares (fi-lo com consciência disso, e quem as faz também não tem resposta) que podem ser formuladas em muitos outros contextos: políticos, estéticos, sociológicos, éticos, económicos, etc.
É uma possível e breve leitura que faço do ainda pouco contacto que tenho com os seus textos, revelando modestamente o meu interesse por eles.
Aliás, "Não sei responder à primeira pergunta" é, se o Gabriel me permite, uma forma muito inteligente e simples de responder. Em suma, extraordinária resposta! Que é como quem diz, responde, perguntando subentendidamente: "quer responder?" E só me ocorreu, agora, no fim de escrever este texto - e decerto contribuiu para ele -, que pode ser uma subtil resposta. E também certamente para a segunda pergunta.
Assim, este foi um breve texto que reconhecidamente e com admiração escrevi sobre a sua última mensagem, com alguns apontamentos em esboço sobre as suas leituras de Parménides. Peço-lhe que o leia assim.

28/03/2013

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J.T.S. : Obrigado pelas considerações que faz.
Como especialista em Antiga, a minha finalidade foi propor uma leitura de Parménides que encarasse alguns problemas com que os investigadores e docentes se defrontam.
Por ora, não estão criadas condições para abrir à tradição as consequências desta proposta. Por isso tenho muita dificuldade em responder às suas perguntas.
E por aqui fico.

28/03/2013

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L.B.T. : "Contudo, (3) entender hôs estin/hôs ouk estin como ‘nomes’ que se referem a si próprios é mais difícil de aceitar.
Mas "hôs ouk estin" (B.2.5) não é não-nome: "anônymon" (B.8.17; vj. «A" Questão da existência" no Poema de Parménides», p. 186)?

"

28/03/2013

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J.T.S. : É o 'não-nome' da única "via para pensar" (B2.2) que "não pode ser pensada" (B2.7). A incongruência a que alude tem de ser encarada na modalidade: "é necessário que não seja" por ser "não consumável" (B2.7b).
Chega?

28/03/2013

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L.B.T. : Já ajuda. E dá para ver como estas questões são difíceis...

28/03/2013

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Última versão dos fragmentos do Poema de Parménides ("Da Natureza"), por José Trindade Santos








Da natureza
Fragmento 1

Os corcéis que me transportam, tanto quanto o ânimo me impele,
conduzem-me, depois de me terem dirigido pelo caminho famoso
da divindade, que leva o homem sabedor por todas as cidades.
Por aí me levaram, por aí mesmo me levaram os habilíssimos corcéis,
puxando o carro, enquanto as jovens mostravam o caminho.
O eixo silvava nos cubos como uma siringe,
incandescendo (ao ser movido pelas duas rodas que vertiginosamente
o impeliam de um e de outro lado), quando se apressaram
as jovens filhas do sol a levar-me, abandonando a região da Noite
para a luz, libertando com as mãos a cabeça dos véus que as escondiam.
Aí está o portal que separa os caminhos da Noite e do Dia,
encimado por um dintel e um umbral de pedra;
o portal, etéreo, fechado por enormes batentes,
dos quais a Justiça vingadora detém as chaves que os abrem e fecham.
A ela se dirigiram as jovens, com doces palavras,
Persuadindo habilmente a erguer para elas
por um instante a barra do portal. E ele abriu-se,
revelando um abismo hiante, enquanto fazia girar,
um atrás do outro, os estridentes gonzos de bronze,
fixados com pregos e cavilhas. Por aí, através do portal,
as jovens guiaram com celeridade o carro e os corcéis.
E a deusa acolheu-me de bom grado, mão na mão
direita tomando, e com estas palavras se me dirigiu:
"Ò jovem, acompanhante de aurigas imortais,
(25) tu, que chegas até nós transportado pelos corcéis,
Salvè! Não foi um mau destino que te induziu a viajar
por este caminho – tão fora do trilho dos homens –,
mas o Direito e a Justiça. Terás, pois, de tudo aprender:
o coração inabalável da verdade fidedigna[1]
(30) e as crenças dos mortais, em que não há confiança verdadeira.
Mas também isso aprenderás: como as aparências
têm de aparentemente ser, passando todas através de tudo.

fragmento 2

Vamos, vou dizer-te - e tu escuta e fixa o relato que ouviste -
quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar:
um que é, que não é para não ser,
é caminho de confiança (pois acompanha a verdade);
(5) o outro que não é, que tem de não ser,
esse te indico ser caminho em tudo ignoto,
pois não poderás conhecer o que não é, não é consumável,
nem mostrá-lo [...]

fragmento 3

                       [...] pois o mesmo é pensar e ser.

fragmento 4

Nota também como o que está longe, pela mente se torna
                                                                  firmemente presente:
pois não separarás o que é da continuidade com o que é,
nem dispersando-o por toda a parte segundo a ordem do
                                                                                          mundo,
nem reunindo-o.

fragmento 5

[...] para mim é o mesmo
por onde haja de começar: pois aí tornarei de novo.

fragmento 6

(1) É necessário que o dizer e pensar que é seja; pois pode ser,
enquanto nada não é: nisto te indico que reflictas.
Desta primeira via de investigação te <         >,
e logo também daquela em que os mortais, que nada
                                                                                sabem,
(5) vagueiam, com duas cabeças: pois a incapacidade
lhes guia no peito a mente errante; e são levados,
surdos ao mesmo tempo que cegos, aturdidos, multidão
                                                                                    indecisa,
por quem o ser e não ser são considerados o mesmo
e o não mesmo, mas de todos é caminho regressivo.

fragmentos 7-8

7.1 Pois nunca isto será demonstrado: que são coisas que não são;
mas afasta desta via de investigação o pensamento,
não te force por este caminho o costume muito experimentado,
deixando vaguear olhos sem foco, ouvidos soantes
(5) e língua, mas decide pela palavra a prova muito disputada
(8.1) de que falei. // Só falta agora falar do caminho
que é. Sobre esse são muitos os sinais
de que que é é ingénito e indestrutível,
pois é compacto, inabalável e sem fim;
(5) não foi nem será, pois é agora um todo homogéneo,
uno, contínuo. Com efeito, que origem lhe investigarias?
como e onde se acrescentaria? Nem do não-ser te deixarei
falar, nem pensar: pois não é dizível, nem pensável,
visto que não é. E que necessidade o impeliria
(10) a nascer, depois ou antes, começando do nada?
E assim, é necessário que seja de todo ou não.
Nem a força da confiança consentirá que de que não é
nasça algo ao pé dele. Por isso nem nascer,
nem perecer, permite a Justiça, afrouxando as cadeias,
(15) mas sustém-nas: esta é a decisão acerca disso –
é ou não é –; decidido está então, como necessidade,
deixar uma das vias como impensável e anónima (pois não é
via verdadeira), enquanto a outra é autêntica.
Como poderia o que é perecer? Como poderia gerar-se?
(20) Pois, se era, não é, nem poderia vir a ser.
E assim génese se extingue e de destruição se não fala.
Nem é divisível, visto ser todo homogéneo,
nem num lado é mais, que o impeça de ser contínuo,
nem noutro menos, mas é todo cheio de que é
(25) e por isso todo contínuo, pois que é é com que é.
Além disso, é imóvel nas cadeias dos potentes laços,
sem princípio nem fim, pois génese e destruição
foram afastadas para longe, repelidas pela confiança verdadeira.
O mesmo em si mesmo permanece e por si mesmo repousa,
(30) e assim firme em si fica. Pois, potente Necessidade
o tem nos limites dos laços que de todo o lado o cercam.
Portanto, não é justo que o que é seja incompleto:
pois não é carente; tudo falta, porém, a que [não] é.
O mesmo é o que há para pensar e aquilo por causa de que há pensamento.
(35) Pois, sem o que é – ao qual está prometido –,
não acharás o pensar. Pois não é e não será
outra coisa além do que é, visto o Destino o ter amarrado
para ser inteiro e imóvel. Acerca dele são todos os nomes[2]
que os mortais instituíram, confiantes de que eram verdadeiros:
(40) "gerar-se" e "destruir-se", "ser e não ser",
"mudar de lugar" e "mudar a cor brilhante".
Visto que tem um limite extremo, é completo
por todos os lados, semelhante à massa de uma esfera bem rotunda,
em equilíbrio do centro a toda a parte; pois, nem maior,
(45) nem menor, aqui ou ali, é forçoso que seja.
Pois nem é que não é, que o impeça de chegar
até ao mesmo, nem é que é, como se fosse
maior aqui, menor ali, visto ser todo inviolável:
pois é igual por todo o lado e fica igualmente nos limites.
(50) Nisto cesso o discurso fiável e o pensamento
em torno da verdade; depois disso as humanas opiniões
aprende, escutando a ordem enganadora das minhas palavras.
E postularam denominar saberes duas formas,
das quais uma não é necessário que seja – e nisso erraram –,
(55) e separaram os contrários como corpos e postaram sinais,
separados uns dos outros: aqui chama de fogo etéreo,
branda, muito leve, em tudo a mesma consigo,
mas não a mesma com a outra; e a outra também em si
contrária, noite sem luz, espessa e pesada.
(60) Esta ordem cósmica eu ta declaro toda plausível,
de modo a que nenhum saber dos mortais te venha transviar.

fragmento 9

Mas, uma vez que tudo é chamado luz ou noite
e o conforme a estas potências é dado a isto e àquilo,
tudo é igualmente cheio de luz e de noite obscura,
ambas iguais, visto nenhuma ser com nada.

fragmento 10

E conhecerás a natureza do éter e no éter de todos os
sinais e dos raios da pura lâmpada do sol
as obras destruidoras, e de onde nascem,
e conhecerás as obras que rodam em torno da lua de olho redondo
(5) e sua natureza, e saberás do céu que os tem à volta,
e de onde nasce, e como guiando-o a Necessidade o obriga
a conter os limites dos astros.

fragmento 11

... como a terra e o sol e a lua
e o éter que a tudo é comum e a via láctea e o Olimpo
extremo e o calor ardente dos astros forçados a
nascer.

fragmento 12

Pois as coroas mais estreitas enchem-se de fogo sem mistura
e as que vêm à noite depois destas, mas com elas lança-se uma parte de
                                                                                                                     chama.
No meio delas está a divindade que tudo governa;
pois em tudo comanda o parto doloroso e a mistura,
(5) impelindo a fêmea a unir-se ao macho, e ao contrário
o macho à fêmea.

fragmento 13

Primeiro que todos os deuses concebeu Eros.

fragmento 14

Facho nocturno em torno à terra alumiado a uma luz alheia

fragmento 15
                                                                 
Sempre à espreita dos raios do sol.

fragmento 15a

Parménides no poema diz que "a terra tem raízes na água".

fragmento 16

Pois, tal como cada um tem mistura de membros errantes,
assim aos homens chega o pensamento; pois o mesmo
é o que nos homens pensa, a natureza dos membros
em cada um e em todos; pois o mais [o pleno] é pensamento.

fragmento 17

À direita os machos, à esquerda as fêmeas

fragmento 18

Quando a mulher e o homem juntos misturam as sementes de Vénus,
a força que se forma nas veias a partir de sangues diversos,
mantendo o equilíbrio, gera corpos bem formados.
Se, contudo, misturados os sémens, as forças se opõem,
(5) e não fazem unidade, misturados no corpo, cruéis,
atormentam o sexo da criança com o duplo sémen.

fragmento 19

Assim, segundo opinião, as coisas nasceram e agora são
e depois crescerão e hão-de ter fim:
A essas os homens puseram um nome que a cada uma distingue.



[1] Preferimos a lição eupeitheos (Sexto Empírico Adversus Mathematicos  VII 111: "fidedigna) à tradicional e mais frequente eukykleos (Simplício De caelo 557, 25), por sustentar a oposição entre os vários termos com as raízes peith-, pist-, que encontramos no v. 30 ("crenças dos mortais"/"confiança verdadeira").
[2] Lendo onomastai em vez do tradicional onom'estai, de Diels, apoiado em L Woodbury "Parmenides on Names" Essays in Ancient Greek Philosophy I Anton & Kustas (eds.) Albany 1971, 145-162.