segunda-feira, 24 de março de 2014

"Escrever e descrever em Fernando Pessoa" - por Luís de Barreiros Tavares - Publicado na revista Nova Águia nº13








Ao Manoel Tavares Rodrigues-Leal


«Ter emoções de Chita, ou de seda, ou de brocado! Ter emoções descriptiveis assim! Ter emoções descriptiveis!» (Bernardo Soares, Livro do Desassossego)

«Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro» (Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos)

1. Atribuir a um texto, em prosa ou em verso, um carácter descritivo, reveste-se quase sempre, se não sempre, de caracterizações pejorativas, como as de superficialidade e de mera representação, supostamente pouco dadas à reflexão e pensamento. Acontece que a ‘descrição’ em Pessoa é totalmente outra. É o que tentaremos mostrar, dentro do possível, neste breve estudo.
Qual a relação escrever-descrever na obra de Fernando Pessoa? Apresentam-se alguns apontamentos sobre essa relação ou articulação no Livro do Desassossego (LD) do semi-heterónimo Bernardo Soares (ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa), em Pessoa ortónimo e nos heterónimos Caeiro, Campos e Reis (1).
2. O texto pessoano inscreve um singular efeito de vai-e-vem entre escrever e descrever: «Depois de escrever, leio… / Porque escrevi isto? / Onde fui buscar isto? / De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu… / Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta / Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...» (Álvaro de Campos). As pessoas seriam «canetas com tinta» escrevendo se escrevendo e se descrevendo. Mas Campos pergunta-se: «alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?». «Alguém» que não é obrigatoriamente Deus; mas outro, sempre, que nos põe a escrever e a descrever. Daqui pode-se pensar na virtualidade, não actualizável, da múltipla heteronímia em cada heterónimo discípulo, a partir da morte de Mestre Caeiro, como analisa José Gil (Cansaço, Tédio, Desassossego, pp. 49-51).
3. «A pena em que pego, a letra que escrevo, o papel em que escrevo, / são mistérios menores que a morte? Como se tudo é o mesmo mistério? / E eu escrevo, estou escrevendo por uma necessidade sem nada.» (Álvaro de Campos). Estabelece-se aqui um trânsito entre: 1. a materialidade e corporalidade, pura ou em bruto, do escrever («A pena em que pego, a letra que escrevo, o papel em que escrevo»), enfim, da escrita manuscrita, mas também dactiloscrita, tão praticada por Pessoa,  nas suas diferenças que não analisaremos aqui; 2. a dimensão do acto de escrita («E eu escrevo»); 3. a dimensão da descrição («…estou escrevendo por uma necessidade sem nada»); descrição de um estado-de-coisas. Poder-se-ia acrescentar ainda a dimensão existencial e metafísica («são mistérios menores que a morte? Como se tudo é o mesmo mistério?»), mas opta-se neste estudo pelas três primeiras instâncias.
4.Trata-se de analisar o modo como o dispositivo ‘escrita’ em Pessoa põe em jogo, transformando-as - instalando outra dimensão, fazendo entrar no fora que afinal é entrar «na substância do mundo» (Campos) -, as três instâncias ou regimes que mencionámos. Por outras palavras: 1. materialidade e corporalidade da escrita em bruto constitutiva do espaço-tempo, do estado-de-coisas inicial do poeta, afinal na sua virtualidade múltipla mas também na sua ausência (2); 2. o dizer do escrever, o dito que, apesar do seu plano semântico, se pode também inscrever no acto de escrita como um escrever sobre o escrever ou «uma escrita sobre a escrita», nas palavras de Augusta Babo (3); 3. o descrever ou a descrição no seu entrelaçamento e em ressonância com as outras duas instâncias, reabrindo um espaço ao imaginário e ao sonho num outro estado-de-coisas descrito. O trânsito destas três instâncias não se limita a um movimento dialéctico; ele abre para um fora, para um exterior de que tanto nos fala Fernando Pessoa, neste caso Alberto Caeiro, seu Mestre: «Não me importo com as rimas. Raras vezes / Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra. / Penso e escrevo como as flores têm cor / Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me / Porque me falta a simplicidade divina / De ser todo só o meu exterior.» Ou Bernardo Soares: «Para criar destrui-me; tanto me exteriorizei dentro de mim, que dentro de mim não existo senão exteriormente» (LD, tomo I, Ática, 1982, trecho 34). Inúmeros exemplos poderiam ser dados. Todavia, não fala tanto Pessoa do interior? Mas não se trata aqui do exterior da descrição banal de certa literatura dos nossos dias. Antes, abre para uma quarta instância ou quarta dimensão que tem a ver com o que de extraordinário e inovador nos traz Pessoa no campo da literatura e da teoria «estética sensacionista» (4). «Lembremo-nos, com efeito, que a exteriorização do interior é o objectivo maior da poesia de Pessoa», escreve José Gil numa nota em O Devir-Eu de Fernando Pessoa, p.33.
5. «Esta mesa, a que estou escrevendo [isto é, na qual Bernardo Soares escreve], é um pedaço de madeira, é uma mesa, e é um móvel entre outros aqui neste quarto. A minha impressão desta mesa, se a quiser transcrever [Podemos supor neste passo de Soares que «transcrever» é correlativo de «descrever»], terá de ser composta com as noções de que ela é de madeira, de que eu chamo àquilo uma mesa e lhe atribuo certos usos e fins, e de que nela se reflectem, nela se inserem, e a transformam, os objectos em cuja justaposição ela tem alma externa, o que lhe está posto em cima» (LD, Assírio & Alvim, trecho 58). A própria sensação («impressão») da mesa constitui-a, em articulação, como elemento fazendo corpo com o acto corporal de escrever. Repare-se no interessante retrato de Pessoa que Almada Negreiros fez em duas versões (em 1954 para o restaurante Irmãos Unidos e em 1964 para a Gulbenkian). Ou seja, como se, de alguma maneira, a mesa também escrevesse. Aliás, não é a mesa, um dos apetrechos do trabalho da escrita, juntamente com a caneta, o papel, a tinta, o tinteiro, o mata-borrão, o papel, o corpo escrevente de Soares debruçado, o próprio quarto, por exemplo, etc.? Daí a «alma externa»: «certos usos e fins de que nela se reflectem, nela se inserem, e a transformam, os objectos em cuja justaposição ela tem alma externa, o que lhe está posto em cima.» Bernardo Soares começa assim este trecho: «O ambiente é a alma das coisas. Cada coisa tem uma expressão própria, essa expressão vem-lhe de fora». Eis o que se pode entender como a «alma» de um estado-de-coisas enquanto «ambiente».
6. Não por acaso se encontram as expressões «lançamentos», «lançamento»: «Escrevo a minha literatura como escrevo os meus lançamentos – com cuidado e indiferença» (Soares, LD, Assírio & Alvim, trecho 13); «… entre lançamento e lançamento no tédio estival do escritório quietíssimo» (LD, Assírio & Alvim, trecho 142). Precisamente, esta expressão («lançamento») remete para o sentido de linhas enquanto traçados que se fazem, na acepção, mesmo, de setas ou flechas ou simplesmente segmentos que se traçam, que se lançam. Mantendo-se assim, apesar da dimensão semântica das frases e do discurso (ou «conteúdos de sentido do texto»; vj. Augusta Babo, op.cit., p. 157), um reenvio ao registo ou plano material da escrita, sem que, por isso mesmo, este registo se limite a estar ao serviço de outro tido geralmente por mais nobre, mais elevado, o do imaginário, o imaterial, o do que se descreve, pelo qual, nesta condição de ser servido, e não indo mais longe, grande parte da literatura e poesia actuais tendem a reger-se na sua fraca superficialidade. Pelo contrário, o texto pessoano faz flutuar e assentar alternadamente a leitura com a articulação dos registos, das três instâncias ou dimensões que mencionámos acima. Assim, Pessoa reenvia este plano emergente e atmosférico do literário, o plano tido habitualmente do “descrever”, transformando-o, para o plano material do escrever, em articulação também com o chamado conteúdo ou dizer poético.
7. «Nem olho o dia, para ver o que ele tem que me distraia de mim, e, escrevendo-o, eu aqui em descrição» (LD, Assírio & Alvim, trecho 99). Tentemos ler: «Escrevendo-o» : (escrevendo isso que estou a escrever); «eu aqui em descrição» (e descrevendo-o). Ou: «estendendo a mão para a caneta esquecida, reentro, gráfico, na saúde anónima da vida normal» (LD, Assírio & Alvim, trecho  409). Precisamente, este envio para a «vida normal», por exemplo, não deixa de reenviar o gesto «estendendo a mão para a caneta esquecida». É este vai-e-vem de navette entre o espaço-tempo do real (ou do sonho?), de um estado-de-coisas do «protagonista» (segundo a expressão de Richard Zenith referindo-se a Soares no Livro do Desassossego (5)), por um lado, e o estender a «mão para a caneta esquecida», por outro, que inaugura uma dimensão de escrita, inovando, digamos assim, por seu turno, a dimensão descrita.
8. O texto pessoano, mesmo quando não refere a escrita enquanto se escreve, leva o leitor a ser lançado nesse plano, o plano do acto de escrita, até à materialidade do traçar traços com todas as componentes espaciais, corporais e todas as utensilagens e objectos (caneta, mesa, máquina de escrever, ruído do teclado e da inscrição na folha, tinteiro, pressão do punho, dos dedos, mata-borrão, papel, quarto, escritório, rua lá fora até aos telhados e céu estrelado…). Quer dizer, descrever outra coisa qualquer, através da escrita, que não seja, porém, a escrita, entrelaça-se, articula-se com esta. Eis uma passagem onde basta falar de «coisas, vozes, letras (ou frases)» para se entrever já a relação escrever-descrever, resultado de um certo fluxo através da chamada dispersão dos fragmentos ou trechos do Livro do Desassossego: «Vou num carro electrico, e estou reparando lentamente, conforme é meu costume, em todos os pormenores das pessoas que vão adeante de mim. Para mim os pormenores são coisas, vozes, lettras (ou frases). Neste vestido de rapariga que vae em minha frente decomponho o vestido em o estofo de que se compõe, o trabalho com que o fizeram [...]» (LD, tomo I, Ática, trecho 163). Porque já se estabeleceu um circuito, uma ponte entre as três instâncias ou dimensões que as extravasa e as articula por fora, dispensando a referência objectiva à escrita; mas tornando-a de certa maneira imanente. Até ao ponto em que acontece a cisão: o que se descreve e o que se escreve afiguraram-se opostos, como nestes versos de Ricardo Reis: «Os impulsos cruzados / Do que sinto ou não sinto / Disputam em quem sou. / Ignoro-os. Nada ditam / A quem me sei: eu ‘screvo» (Ricardo Reis). Em Soares: «Porque escrevi, nada disse. Minha impressão é que o que existe é sempre em outra região, além de montes, e que há grandes viagens por fazer se tivermos alma com que ter passos» (LD, tomo II, Ática, trecho 346). Todavia, a relação escrever-descrever sobrevém precisando também destes momentos de cisão, constituindo-se deste modo um campo aberto onde o real e o sonho interagem singularmente. Escrever e descrever, diríamos mesmo, interseccionam-se (termo empregue por Soares; ver numa citação no § 10), para evocar e extrapolar - a par do paulismo e do sensacionismo (com Mário de Sá-Carneiro) - uma dimensão poética de Pessoa: o interseccionismo. Porque a materialidade do inscrever traços no papel ou no mundo («nós» enquanto «canetas com tinta» enquanto «aqui traçamos», não só traçamos no papel como também traçamos «neste mundo»), apesar de não ser directamente o dizer do escrever enquanto tal na sua dimensão semântica, sintáxica, etc. (o dito, o dizer poético, a narrativa…), conecta-se e intersecciona-se, digamos assim, com este mesmo dizer.
9. Embora se possa falar de uma certa dimensão performativa da escrita pessoana enquanto acto, diríamos que o texto pessoano se caracteriza também por um certo desprendimento, meditado, comportando uma certa constatividade, se assim se pode dizer (6). Não estranhemos o termo, pois há quem fale mesmo de «objectivismo absoluto» em Caeiro. O próprio Reis num dos esboços para o prefácio à obra do Mestre, escreve: «Que a obra de Caeiro representa uma tendência crescente (adentro de «O G[guardador] de R[ebanhos]») para o objectivismo absoluto não há que duvidar, pois que para não duvidar basta ler. Repare-se que esse objectivismo absoluto está ao mesmo tempo no instintivo primário das emoções e dos sentidos, e no instintivo derivado das ideias (…)» (7). Retomando a noção de constatividade, digamos, em poucas palavras, que se produz como que uma aderência do leitor, pela leitura, ao plano da escrita e ao texto; ou seja, uma espécie de assentamento, aqui e agora, no suporte de inscrição no acto de leitura, reenviando-o para a dimensão do imaginário e do sonho. No entanto, produz-se um duplo reenvio, um vai-e-vem: a) um movimento para o imaginário e o sonho adentro da escrita e do texto, como dissemos antes; b) e, fora destes, um outro movimento de flutuação adentro do espaço-tempo do mundo e da realidade, que se torna também do imaginário e do sonho. Portanto, a constatividade operaria um duplo movimento de aproximação e de distanciação. Todavia, não se trata de uma dimensão constativa e/ou performativa pela linguagem «enquanto acto de fala» na perspectiva do pragmatismo filosófico (Austin; Searle…). Mas dimensão constativa pensando com os sentidos e as sensações a par da «objectividade» num outro regime de linguagem poética (8): «Penso com os olhos e com os ouvidos / E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca. // Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la»; «Eu nem sequer sou poeta: vejo»; «A espantosa realidade das coisas / É a minha descoberta de todos os dias» (Caeiro). Ou Soares: «Um raio de sol que entra eternamente no escritório morto; um pregão atirado que sobe rápido até à janela do meu quarto; a existência de gente; o haver clima e mudança de tempo; a espantosa objectividade do mundo» (LD, Assírio & Alvim, trecho 444).
10. Pessoa põe muitas vezes em jogo o real como sonho e o sonho como real: «O meu mundo imaginario foi sempre o único mundo verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reaes, tão cheios de verve de sangue e de vida como os que tive com figuras que eu próprio criei. Que pena! Tenho saudades d’elles, porque, como os outros, passam…» (LD, tomo II, Ática, trecho 367). Ou entre vida e sonho: «Estou quasi convencido de que nunca estou disperto. Não sei se não sonho quando vivo, se não vivo quando sonho, ou se o sonho e a vida não são em mim coisas mixtas, interseccionadas, de que meu ser consciente se forme por interpenetração» (LD, tomo I, Ática, trecho 200). Sonho e real na escrita, para além e aquém dela, redimensionando as condições de possibilidade e de impossibilidade de descrever: «As phrases que nunca escreverei, as paisagens que não poderei nunca descrever, com que clareza as dicto, à minha inercia e as descrevo na minha meditação, quando recostado, não pertenço, senão longinquamente, à vida. Talho phrases inteiras [...]» (LD, tomo II, Ática, trecho 368).
11. Não se procurou encontrar alguma razão suficiente para a relação escrever-descrever. Apenas apontamentos levantando questões e deixando em aberto nestas poucas páginas, como não poderia deixar de ser. Questões difíceis como muitas outras em Pessoa: «É tam difícil descrever o que se sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade real, que não sei quaes são as palavras humanas com que possa definil-o» (LD, tomo I Ática, trecho 199). Ou nas palavras de Eduardo Lourenço a propósito do Livro do Desassossego: «É para o acto de escrever que converge a luz indecisa do espaço crepuscular que descrevemos através da metáfora do limbo» (O Lugar do Anjo, p.100) (9). Pois o génio do poeta troca-nos muitas vezes as voltas (10). Mas, leia-se o ortónimo Fernando Pessoa escrevendo e descrevendo em «AUTOPSICOGRAFIA» (1-4-1931): «O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente. // E os que lêem o que escreve, /Na dor lida sentem bem, / Não as duas que ele teve, / Mas só a que eles não têm. // E assim nas calhas de roda / Gira, a entreter a razão, / Esse comboio de corda / Que se chama o coração.»

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Notas:
(1) Doravante as citações do Livro do Desassossego serão referidas com “Ática” ou “Assírio & Alvim”, respectivamente a edição de 1982 de Maria Aliete Galhoz, Teresa Sobral Cunha e Jacinto do Prado Coelho, e a de 2011 de Richard Zenith.
(2) Sobre a virtualidade em Pessoa, veja-se a comunicação de Eduardo Lourenço: «De Pessoa como pura virtualidade» - Leitura do prefácio inédito para Leyla Pérrone-Moisés; III Congresso Internacional Fernando Pessoa: http://youtu.be/lGkIZHWtR2Q .
Acerca da «ausência», correlativa da «solidão radical» e do «vazio absoluto» em Pessoa, leia-se Eduardo Lourenço: «A heteronímia é, sobretudo, a forma teatral de ilustrar a única «verdade» digna desse nome para Pessoa: o Ser é ausência. Ausência dolorosa, mais profunda que a do próprio tempo porque é a fonte desse tempo que Pessoa evoca num dos seus poemas como «o nada vivo em que estamos». Encontramo-nos portanto diante de um Eu cuja solidão radical só se pode exprimir através de uma multiplicidade destinada não apenas a camuflá-la como a repercutir sob o modo da ficção um vazio absoluto» (Fernando Pessoa, Rei da Nossa Baviera, p.84). Mas estas são outras interessantes abordagens que não poderemos aqui desenvolver.
(3) Vj. o capítulo «O Livro do Desassossego, Uma Escrita sobre a Escrita» (pp. 155-196) em Maria Augusta Babo, A Escrita do Livro. Eis, por exemplo, alguns elementos que poderão abrir caminhos no contexto deste nosso estudo: «Uma escrita sobre a escrita seria o único epíteto apropriado, parece-nos, para classificar texto tão inclassificável» (p.163); «(…) manuscritos e dactilografados, com emenda à mão, mas sempre em qualquer caso, as rasuras, os acrescentos, transformando o texto num trabalho imagético onde o traço deixa a sua invisibilidade sígnica para adquirir uma visibilidade gráfica» (p.156); (…) «Esta «qualidade de evanescência» do significande gráfico, garante da leitura enquanto apreensão dos conteúdos de sentido do texto, tende a modificar-se, a opacificar-se quando o espaço gráfico se transmuta em espaço plástico impedindo o reconhecimento imediato da função representativa do traço» (p.157). Também as noções de «paratexto» e de «peritexto» (pp.159-164).
(4) Acerca do sensacionismo como «teoria estética» e não ««movimento» literário», vj. José Gil, Cansaço, Tédio, Desassossego, p.39: «O «sensacionismo», enquanto teoria estética (e não «movimento» literário) não afirma princípios a que obedecem as obras de Caeiro, de Campos, de Reis?.»
(5) Richard Zenith designa por vezes Soares como «protagonista»: «Livro do Desassossego: o romance possível (var.: impossível)»; III Congresso Internacional Fernando Pessoa:
(6) Poder-se-á entrever uma dimensão performativa-constativa na escrita pessoana nos planos poético e estético em: Luís Tavares, (2011), 2º semestre, «Pessoa: A escrita e a terra de ninguém», Nova Águia, nº8, pp. 161-162:
Este artigo faz parte de um outro mais extenso, «O acto de escrita de Fernando Pessoa»:
(7) «A ficção dos heterónimos», org. António Quadros. Sobre o «objectivismo absoluto» na estética sensacionista de Pessoa: «(…) a exteriorização da sensação, ou da alma, realiza o «objectivismo absoluto» como finalidade da criação artística. Exteriorização significa reduzir a zero o elemento subjectivo que toda a sensação encerra em si. Para tanto, a sensação que resulta do trabalho artístico é um objecto expressivo, que deve esgotar a subjectividade numa transformação total de todos os elementos diferenciais da sensação (ideia/emoção, sujeito/objecto, pensamento/realidade, etc.) sem os abolir, mantendo, pelo contrário, as tensões expressivas. Exteriorização das sensações, análise, intelectualização, dupla consciência da sensação, são termos equivalentes para exprimir o processo criativo segundo a estética sensacionista» (José Gil, Cansaço, Tédio, Desassossego, pp. 59-60).
(8) A objectividade e a dimensão constativa pensando com os sentidos e as sensações poder-se-ia talvez analisar em contraponto com o que José Gil chama «uma espécie de intuição intelectual dos sentidos»: «(…) Caeiro encarna o seguinte paradoxo: nele, os componentes da sensação analisada fundem-se todos sem se fundirem ou desaparecerem. Caeiro pensa com os sentidos porque sabe ver as coisas como elas são: realiza o que chamei «uma espécie de intuição intelectual dos sentidos» (Cansaço, Tédio, Desassossego, p. 61)
(9) Do Prefácio de Eduardo Lourenço à edição francesa (Livre de L’Intranquillité), edição Christian Bourgois, Paris, 1988.
(10) Vale a pena ler esta interessante reflexão de Manuel Ferreira Patrício logo na abertura do seu livro No Labirinto Messiânico de Fernando Pessoa, p. 21, ainda em ressonância com Eduardo Lourenço na nota «2»: «Todo aquele que se aproxima de Fernando Pessoa, seja qual for a sua qualificação como leitor, conhece a experiência de que convive com uma personalidade fugidia e inapreensível. Talvez mesmo inexistente. Ou quase. Talvez só essente. Ele o diz nessa obra líquida e inapreensível como ele que é o Livro do Desassossego: «Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo.» Não é, afinal, a mesma prosa que escreve; é-o só «em grande parte». Também não é a prosa: é «a mesma prosa» que escreve. Quer isto dizer «a própria prosa»? Ou exactamente «a mesma», aquela que naquele momento e contexto escreve? Mais fugidio e deslizante que uma enguia. Não há areia que nos baste nas mãos para o segurar.» Vj.: http://youtu.be/pkNTAu5R2RI .

Referências bibliográficas:
Eduardo Lourenço, O Lugar do Anjo, Ensaios Pessoanos, Lisboa, Gradiva, 2004.
Eduardo Lourenço, Fernando Pessoa, Rei da Nossa Baviera, Lisboa, Gradiva, 2008.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, recolha e transcrição Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha, prefácio e org. Jacinto do Prado Coelho, Ática,  1982.
Fernando Pessoa, Livro do Dasassossego, composto por Bernardo Soares, org. Richard Zenith, Assírio & Alvim, 2011.
Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Poesias, Introdução, organização e bibliografia de António Quadros, Europa-América, 1986.
Fernando Pessoa, Textos de Intervenção Social e Cultural. A ficção dos heterónimos, Introduções, organização e notas de António Quadros, Europa-América, 1986.
Fernando Pessoa, Poesia II, 1930-1933, Introdução e organização de António Quadros, 1986.
Fernando Pessoa, Odes de Ricardo Reis, Introdução, organização e bibliografia de António Quadros, Europa-América, 1986.
Fernando Pessoa, Poesia de Alberto Caeiro, organização de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, Assírio & Alvim, 2009.
Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro, ed. Bilingüe, Versión  e introducción de Pablo del Barco, Madrid, Visor - Alberto Corazón Editor, 1980.
Harry Shaw, Dicionário de Termos Literários, Lisboa, D. Quixote, 1982.
José Gil, Cansaço, Tédio, Desassossego, Lisboa, Relógio D’Água, 2013.
José Gil, O Devir-Eu de Fernando Pessoa, Lisboa, Relógio D’Água, 2010.
Manuel Ferreira Patrício, No Labirinto Messiânico de Fernando Pessoa, Sintra, Zéfiro, 2013.
Maria Augusta Babo, A Escrita do Livro, Lisboa, Vega, col. Passagens, 1993.
Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov, Dicionário das Ciências da Linguagem, Lisboa, D. Quixote, 1982.
Paul Ricoeur, Teoria da Interpretação, trad. Artur Morão, Lisboa, Ed. 70, 1987.

Devido ao facto de, desta vez, por razões logísticas, não terem sido enviadas as provas dos textos aos autores para última revisão e correcções, procedemos nesta publicação on line a duas ou três rectificações pontuais e a um acrescento na bibliografia.

Também assina "Luís de Barreiros" e "Luís de Barreiros Tavares"  





                   


                          
                                                                            
                          






Luís Tavares, (2014), 1º semestre, «Escrever e descrever em Fernando Pessoa», Nova Águia, nº13, pp. 179-183.   






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