quinta-feira, 11 de julho de 2013

Autoreferencialidade na linguagem - discurso - em Parménides - Conversa com José Trindade Santos









Luís de Barreiros Tavares : Poderá ajudar-nos aqui, leitores do blog "escrita-fone"? Por que reabilita os sofistas (Górgias e Protágoras) no âmbito dos seus estudos da antepredicatividade no Poema de Parménides e no contexto de Platão? Mas tendo em conta principalmente a questão da autoreferencialidade da linguagem, do discurso no Eleata, a par também das suas leituras de Platão. É certo que o seu interessante artigo publicado na revista Dissertatio e re-publicado neste blog trata do assunto:http://escrita-fone.blogspot.pt/search?q=leitura+de+%C3%A9+n%C3%A3o+%C3%A9+
Mas o que lhe peço é uma breve nota, mais acessível e ao mesmo tempo preparatória para leituras mais ou um pouco mais aprofundadas dos seus estudos.
Para já é tudo

09/07/2013

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José Trindade Santos: OK! Estou num colóquio em Brasília.
Respondo logo.

09/07/2013

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J.T.S.: É difícil abordar, quanto mais responder às suas importantes perguntas. Por este meio, só posso dar indicações vagas.
1. Parménides é acolhido por todos os pensadores gregos;
2. Os sofistas (particularmente Górgias) usam os argumentos de P. para denunciar a impossibilidade de chegar à realidade através do pensamento e da linguagem;
3. Platão aceita P., na República, mas a partir do Teeteto começa a tentar incorporar os argumentos dos sofistas, aos quais só responde com êxito no Sofista.
4. Aí, empreende uma revisão da concepção de ‘ser’ eleática, rejeitando o monismo e a imobilidade;
5. Só assim consegue refutar Górgias (reformulando a negativa como alteridade):
6. O que está em causa é a defesa de uma concepção referencialista do saber, pela qual todo o discurso é sobre o real, esboçando uma concepção da ‘verdade’ como ‘correspondência’.

É claro que este programa chega para alimentar um curso semestral. Nestes termos, alinha mal teses que precisam de ser comprovadas nos textos.


10/07/2013






L.B.T. : Obrigado pelas suas palavras.
Todavia, gostaria ainda de colocar-lhe algumas questões quanto à autoreferencialidade da linguagem. Expressão que confesso interessar-me noutros contextos, e neste também, o de Parménides, embora esteja ainda aflorar. Falo da autoreferencialidade analisada no Suprematismo do grande artista plástico Malevitch, partindo do célebre Quadrângulo Negro (1915) e de todo o processo suprematista que se lhe seguiu : http://escrita-fone.blogspot.pt/search?q=suprematismo+malevitch É o post do escrita-fone com mais visitas (cerca de 600), publicado a 5 de Abril de 2012. O José Gil tem estudos muito interessantes sobre estes temas.
Mas retomando a autoreferencialidade em Parménides. Apesar de, segundo entendi, ela não reenviar para um conhecimento da realidade propriamente dita, pergunto se não é condição de possibilidade de pensá-la, para falar kantianamente. É que se assim for, não se conhece a "coisa em si", aproximativamente a realidade, ou melhor, o real. Mas, nessa condição, ela é pensável, é o pensado, precisamente na sua etimologia enquanto “nóumenon” ou “númeno. Creio no entanto que por exemplo os seguintes passos do seu artigo mencionado na mensagem anterior não seguem nessa linha kantiana: “cerne da argumentação sofística”; “Parménides e os sofistas” e “antepredicatividade e cognição”.
Arriscaria uma tese talvez provisória podendo despertar-me algum interesse para mais demorada reflexão. É a de que, posto de parte algum paralelismo ou relação com Kant, há uma outra via, digamos. Ou seja, até que ponto se poderá considerar a sua investigação como uma modalidade do exercício do pensar enquanto tal? Exercício do pensar focalizado na antepredicatividade em Parménides, uma vez que “ que é” ou “o [nome] que é” nem sequer aponta para nóumenon. No fundo esta é uma tese que me parece viável a partir das escassas leituras que até agora fiz dos seus textos, pois o tempo não permitiu mais. Ela carecerá eventualmente de mais trabalho, estudo e argumentação. Mas gostaria de saber se do seu ponto de vista a tese é viável, se é de alguma maneira viável, ou não o é. E como? Ou para simplificar: a sua investigação e pesquisa, pretende situar-se, inscrever-se numa linha de tradição teorética, contemplativa, no sentido grego antigo do pensar, não propriamente platónica, mas deslocando entre Parménides e Platão?
Se interessar...

12/07/2013

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J.T.S. : A ideia de que a referência de Parm a "pensar/conhecer" é 'autoreferencial' decorre da natureza antepredicativa do argumento. 'P/C'  não é uma faculdade relaciona um sujeito com um objecto do "conhecimento". A tese sustenta apenas que um 'P/C' falível não é 'P/C'.
As duas noções do 'conhecimento' envolvidas não são comensuráveis. Ou seja, o 'P/C' só se refere a si próprio, e não a qualquer outra entidade exterior ao 'P/C'.
Obrigado.

12/07/2013

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L.B.T. : Os seus estudos são interessantes, mas densos e difíceis. Para já só mais umas questões. Depois vou recarregar baterias e descansar.
Qual a função do artigo definido ‘o’? Numas vezes refere, noutras não, e noutras ainda o coloca entre aspas: a) “o [nome] que é”, “o [nome] que não é”; “o que é”, “o que não é”; b) “que é”, “que não é”; c) “o” “que não é”, etc.
Creio, por exemplo, que o resumo da sua conferência tem lá algumas respostas quando fala das 4 teses: http://escrita-fone.blogspot.pt/search?q=resumo+de+confer%C3%AAncia
Uma dúvida. No artigo “Parménides antepredicativo” parece-me haver lá uma gralha (pág.5). Ou então estou a fazer confusões. Em vez de “Do nosso ponto de vista predicativo…..”, não será «Do nosso ponto de vista antepredicativo, “é / não é” só podem ser encarados como expressões autoreferenciais, valendo como ‘nome’: “é”, “o [nome] “que é”; “não é”, “o [nome] “que não é”, o “não-nome” (vide anônymon: B8.17)».
Desculpe lá se não estou a perceber bem.

13/07/2013

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J.T.S. : Boas perguntas!
"o", em "o que é" traduz to eon. Sem "o", traduz eon: "que é", "sendo" (mê eon, na negativa: "o que não é"). À vezes a tradução "ser" (melhor que "o ser"!) mete-se no caminho e confunde as questões.
A frase que cita é ambígua. "Do nosso" não é "do meu". Para quem pensa na lógica predicativa e nem consegue imaginar outra, a ideia de que a linguagem se refere ao real é automática. Por isso, é preciso avisa-lo que, se quiser pensar referencialmente, então o 'p/c' se refere a si próprio (subentendendo a fusão do 'conhecimento/conhecer/conhecido'.

13/07/2013

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