António
Lobo Antunes, O Manual dos Inquisidores
Este foi
transcrito agora, mas já conhecia
[…]
– É a
última vez que venho aqui
ela a
tirar-me cabelos da gola e a abraçar-me por trás
–
Arranjaste um apartamentozinho para nós borracho?
e eu de
olho no espelho concentrado em acabar o nó que detesto nós de gravata às três
pancadas
– Acho
que ficas melhor com o meu pai do que comigo ele tem mais tempo do que eu para
te cuidar da carreira no teatro
os
braços dela de súbito moles, a respiração a apressar-se-me na nuca, o turbante
a desfazer-se, uma vozita infantil a tranquilizar-se a si própria, a conversar
consigo mesma
– Estás
a brincar comigo só podes estar a brincar comigo estás a brincar comigo não
estás fofinho?
ao ir-me
embora vi-a sentada na cama, de mandíbula caída, apertando a cabeça nas palmas
numa incredulidade infinita
– Que
parva eu sou
e tive
de pedir à secretária que não me passasse as chamadas, de prevenir a segurança
que a pusesse na rua no caso de aparecer no banco, escreveu-me uma carta de
ameaças com mais erros de ortografia do que insultos e contudo, honra lhe seja
feita, não era mentirosa ao afirmar que se dedicava a sério a um homem dado que
acabou por instalar-se de armas e bagagens no Estoril para melhor amar o meu
pai com uma fidelidade e uma dedicação sem limites, as minhas irmãs e as minhas
primas visitavam o velho e eram recebidas por uma pulseira no tornozelo e um
vestido de lycra a imitar leopardo que as tratava por coisinha, lhes oferecia
cadeiras e fazia chiribibi no queixo do presidente honorário numa familiaridade
conjugal
[…]”
Continua
António
Lobo Antunes, O Manual dos Inquisidores, Lisboa, Dom Quixote, 1996, p. 107 e
108
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