segunda-feira, 10 de junho de 2013

À conversa com José Trindade Santos - Continuação - 2









L.B.T. : No fundo percebo pouco destas coisas. Mas aí vai.
Parece haver um curioso paralelismo, mas não identidade, entre o “princípio de não contradição” (também chamado “de contradição”) em Aristóteles e o eon ou to eon, forma participial com o sentido nominal ("o [nome] que é") em Parménides. Porque, por um lado, afigura-se que aquele princípio dá prioridade ao ‘que é’. Simplificando: “o que é (aqui: uma coisa) não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto” (Metafísica 1005b 19). Ou então: “ não se pode afirmar e negar a mesma coisa de um mesmo sujeito, ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista” (versões de R. Oliveira, in Enciclopédia Logos, Verbo ed.; também consultei o meu Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie de André Lalande). E, por outro lado, no eon, no to eon em Parménides, talvez se possa dizer que já se lê, já se escuta um “ao mesmo tempo” no “dizer e pensar que é seja; (…), enquanto nada não é” (fr.6). Bem como na ‘mesmidade’  de “pensar e ser” (fr.3) e em “um que é, que não é para não ser” (fr.2.3). Estou seguindo a sua última tradução. A reiteração (termo usado por si algures, se bem me lembro) nestes e noutros passos de Parménides (já tínhamos falado sobre isto) parece-me ser significativa do sentido de ‘permanência’ e ‘mesmidade’ do to eon, implicando eventualmente a questão do Tempo. “Mesmidade” em Heidegger (Selbigkeit), “to auto, a palavra enigma do fr.3”, ou to auto “o próprio enigma do pensamento de Parménides” (Heidegger, Vorträge und Aufsätze - recolhi hoje estas notas de Heidegger do livro que estou a consultar de Marlène Zarader, Heidegger e as Palavras da Origem, Inst. Piaget).
Não sei até que ponto se poderá pensar a antepredicatividade no Eleata à luz da mesmidade, nesta inscrevendo-se já, de algum modo, um “ao mesmo tempo” anunciador do “ao mesmo tempo” ou “simultaneamente” enunciado no Estagirita.
Espero que lhe interesse aqui alguma questão.
Isto deu-me uma trabalheira.


09/06/2013


-



J.T.S. : As suas relações de Parménides com Aristóteles ficam fora da minha análise. Não sei o que dizer-lhe.
Quanto à “mesmidade”, é simples responder-lhe. Em B3 e B8.34, Parménides sustenta que “pensar e ser são o mesmo”. É este o coração da antepredicatividade!
Ele não afirma que são idênticos ou que estão relacionados, mas que são uma única e a mesma entidade.
É claro que esta ‘mesmidade’ não tem qualquer sentido num contexto predicativo, pois aí são entendidos como uma “espécie de faculdade cognitiva” e o seu objecto.
Percebido e aceite este ponto, a antepredicatividade torna-se compreensível.

09/06/2013


-



L.B.T. : Já vou ler a sua resposta com mais atenção.
Mas ocorreu-me já uma nota ao lê-la por alto. De facto, já me tinha indicado mais do que uma vez que, quanto à antepredicatividade em Parménides, Aristóteles não é para ali chamado.
Até estive para lembrar na mensagem essas suas advertências argumentadas, que aceito.
Mas isola a antepredicatividade em Parménides?
Por outro lado, pode-se falar, por exemplo de antepredicatividade em Husserl, domínio que confesso escapar-me em grande parte.


09/06/2013

-



J.T.S. : Não isolo a ap em Parménides! Pelo contrário, o meu objectivo é estudá-la em Platão.
Quanto a Husserl remeto-o para o Pr. Pedro Alves e o seu recente estudo: "Receptividade, juízo e verdade", publicado aqui, em Verdade e Interpretação, Acylene C.- Ferreira (org.), Salvador 2012.
H. estuda a ap numa perspectiva fenomenológica. Eu limito-me a tentar mostrar que a ap é uma boa (senão a melhor) maneira de compreender alguns textos gregos quase indecifráveis.


09/06/2013

-

Sem comentários:

Enviar um comentário