domingo, 20 de outubro de 2013

Um texto publicado no nº12 da revista "Nova Águia" - "António Quadros, Leitor e Divulgador de Fernando Pessoa" - por Luís Tavares





                         


António Quadros foi uma figura destacada e admirada no Grupo da Filosofia Portuguesa. Luís do Espírito Santo, que conheci pessoalmente e de quem fui amigo, participou no memorável Colóquio “O Ideal Português” (1961). Testemunhou-me da sua admiração e amizade por António Quadros, contando-me o seu pesar quando da sua morte. Eis um breve passo de uma carta de Luís do Espírito Santo a António Quadros, numa altura em que o primeiro se encontrava emigrado nos Estados Unidos: Meu querido amigo, nada posso fazer, também sou emigrante e, tal como eles, busco, procuro e esquadrinho o horizonte, na ânsia ou na expectativa de encontrar o Paraíso perdido. Lembrei-me, ao escrever para si que nunca emigrou, embora tenha viajado muito, o que por certo não fez na busca ou na procura do Paraíso e, então, perdoe-me, suspeitei de si. Será que o António sabe onde está o Paraíso? Nunca saiu de Portugal para o procurar?... A dúvida manteve-se e mantém-se. Será que de facto sabe onde está o Paraíso?... Se assim é, seja tão caridoso como costuma, diga-me onde está, para poder ajudar também esta gente. Vá, responda depressa! Um grande e apertado abraço do velho companheiro e amigo que muito o estima” (Luís do Espírito Santo, Vivências, p.59). Esta citação ilustra o apreço que se tinha por António Quadros, fosse no plano pessoal quanto no filosófico e de pensamento no Grupo da Filosofia Portuguesa. O Colóquio decorreu sensivelmente na sequência da suspensão da célebre publicação do “Movimento 57” (Movimento da Cultura Portuguesa, 1957-62) dirigido por António Quadros. Além deles, participaram  Fernando Silvan, Fernando Morgado, António Braz Teixeira, Francisco Sotto Mayor, Alexandre Coelho e Francisco da Cunha Leão. Estes e muitos outros dados foram vivamente recordados por quem saberá muito melhor que eu e assistiu àquele importante encontro, Pinharanda Gomes, na sua interessante conferência no recente Colóquio sobre António Quadros em Maio de 2013 (1). Eis outro exemplo de admiração por António Quadros. Tive o prazer de ser apresentado a Pinharanda Gomes por Luís do Espírito Santo em finais dos anos 90 numa sessão de lançamento de um livro deste último. Diga-se de passagem que comecei a ler com entusiasmo Pinharanda Gomes quando contava cerca de 20 anos ou pouco mais. Nomeadamente, Pensamento e Movimento, Teoria do Pão e da Palavra, entre outros.
Mas voltemos a António Quadros e ao tema deste texto: “Leitor e divulgador de Fernando Pessoa”. Tendo um importante papel na Filosofia Portuguesa, António Quadros foi, entre muitas outras vertentes da sua produção (por exemplo, ficção, poesia, etc.), admirador, leitor e divulgador de Fernando Pessoa.
Ora, é também na abordagem que Quadros faz da obra de Pessoa que se poderão estabelecer pontes com a filosofia portuguesa, o ideal português, o pensamento português. Tentarei mostrá-lo tanto quanto possível neste texto.
A Obra de Fernando Pessoa organizada e apresentada por Quadros, com interessantes análises, em meados de 80, pelas Publicações Europa-América, atesta a sua preocupação em dar a conhecer ao grande público, numa edição economicamente acessível, em livros de bolso, a obra daquele grande poeta. Conto-me entre aqueles que leram e lêem muito Pessoa através daquelas agradáveis edições.
Fernando Pessoa foi um grande poeta que reflectiu seriamente sobre Portugal, e, no fundo, correlativamente, o pensamento português. Não indo mais longe, basta lembrar o grande poema Mensagem. Mas parte importante da sua prosa abrange também estas temáticas. Não poderei nem tenho competência para desenvolver estas questões, menos ainda nestas breves linhas.
Como ilustra o título deste curto texto, António Quadros, como já o disse, não foi só um divulgador, foi também leitor de Fernando Pessoa. Nele, as duas vertentes não se excluem. Antes, pelo contrário, se entrecruzam. Foi o que aconteceu de um modo particular com os textos de António Quadros dedicados a Fernando Pessoa. Todavia, limitar-me-ei a apresentar duas breves passagens de dois livros seus. Elas ilustram, poderiam ser muitas outras, de alguma maneira, a atenção dada por Quadros à obra de Pessoa no que diz respeito a certas questões sobre Portugal, o “Ideal Português” (título do Colóquio de 1961), o Quinto Império, Mensagem, comportando, por assim dizer, as questões do pensamento português, da filosofia portuguesa e da realidade de Portugal nos nossos dias. É que questionar - pôr a questão, na sua particularidade - o pensamento e a filosofia portugueses, não retira, antes legitima - é condição de possibilidade - pensar e filosofar essa questão, na sua universalidade, a saber, para qualquer país. Ou ainda, que a questão, como tal, se pode colocar independentemente deste ou daquele país, desta ou daquela língua, região ou nação. Um pouco como um dos três tópicos assinalados por José Marinho no seu texto “Filosofia Portuguesa e Universalidade da Filosofia” na linha de Álvaro Ribeiro em O Problema da Filosofia Portuguesa (2): “2.º Que o haver laranjas de Setúbal, assim como nos permite e nos autoriza chamar-lhes laranjas portuguesas do mesmo passo aos deliciosos frutos e seu conceito não retira à forma única e universal sabor ou sentido” (José Marinho, Estudos Sobre o Pensamento Português Contemporâneo, p.10). Pois: “Alguns dos homens mais inteligentes do País colocam-nos na urgência de examinar a questão” (Op. cit. p.9).
Eis os dois trechos de António Quadros, o segundo incluindo uma passagem de Fernando Pessoa: “Mas é principalmente no significado profundo e cifrado da história portuguesa, que Fernando Pessoa visiona a lenta marcha de uma ideia-força, o lento desabrochar de uma missão espiritual superior, a lenta caminhada do Messias que, mais do que o mítico D. Sebastião que o poeta julgou ver encarar no seu Presidente-Rei Sidónio Pais, será a própria pátria portuguesa, mormente na sua definição supra-histórica, isto é, como Língua, Literatura e Filosofia. É este, como se sabe, o sentido da Mensagem” (António Quadros, Fernando Pessoa, A Obra e o Homem, p. 293). “Para os nossos contemporâneos, neste tempo de esvaziamento de valores espirituais resultará estranha, desconcertante, bizarra ou louca a forma como estes homens, um Camões, um Frei Bernardo de Brito, um Vieira, um Pessoa e os mitogenistas portugueses do Quinto Império, foram capazes de pensar e escrever aparentemente contra o lógico e o plausível, a partir de um país tão autodiminuído, tão autovilipendiado, com tantas fraquezas económicas, sociais e psicológicas, com tantos complexos de inferioridade como o é o Portugal moderno. Por isso, terminando, propomos à sua reflexão este pequeno texto, também de Fernando Pessoa: podermos vir a ter esse império não prova, é certo, que viremos a tê-lo; porém se o não pudermos ter é que com certeza o não teremos. Preparemos o caminho dos grandes génios portugueses, ainda que, contra a voz profética, eles não venham nunca. Teremos perdido o jogo, porém ganho a experiência dele. O esforço de um alto propósito é, de per si, um resultado desse alto propósito, o que se nos acrescenta de grande para pensarmos sempre em grandes coisas é o primeiro feito dessas grandes coisas. Não se poderá dizer que nunca se realiza um alto propósito, se ele chega a ser um alto propósito. Já com sê-lo, em certo modo se realizou” (António Quadros, Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio, p. 305).

Notas:
(1) Conferência registada em vídeo: http://youtu.be/jIncQXq9IhQ
(2) Vj. p.ex. a este propósito o artigo de António Cândido Franco “ Filosofia Portuguesa” em:
Referências bibliográficas:
Álvaro Ribeiro, O Problema da Filosofia Portuguesa, Lisboa, Inquérito, 1943.
António Quadros, Fernando Pessoa,  Lisboa, Arcádia, Col. A obra e o homem, 1960.
António Quadros, Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio, Lisboa, Dom Quixote, 1992.
Fernando Pessoa, Portugal, Sebastianismo e Quinto Império, Prefácio, introduções, notas e organização de António Quadros, Europa-América, 1986.
José Marinho, Estudos Sobre o Pensamento Português Contemporâneo, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981.
Luís do Espírito Santo, Vivências, Cartas da América, Lisboa, Ésquilo, 1998.



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No dia do lançamento do nº 12 da Nova Águia, 15/10/2013, numa esplanada das portas de Santo Antão: (da esquerda para a direita) João Bigotte Chorão, Jesué Pinharanda Gomes, Luís de Barreiros Tavares, General Garcia Leandro e Manuel Ferreira Patrício.

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