António Quadros
foi uma figura destacada e admirada no Grupo
da Filosofia Portuguesa. Luís do Espírito Santo, que conheci pessoalmente e
de quem fui amigo, participou no memorável Colóquio “O Ideal Português” (1961).
Testemunhou-me da sua admiração e amizade por António Quadros, contando-me o
seu pesar quando da sua morte. Eis um breve passo de uma carta de Luís do
Espírito Santo a António Quadros, numa altura em que o primeiro se encontrava
emigrado nos Estados Unidos: Meu querido
amigo, nada posso fazer, também sou emigrante e, tal como eles, busco, procuro
e esquadrinho o horizonte, na ânsia ou na expectativa de encontrar o Paraíso
perdido. Lembrei-me, ao escrever para si que nunca emigrou, embora tenha
viajado muito, o que por certo não fez na busca ou na procura do Paraíso e,
então, perdoe-me, suspeitei de si. Será que o António sabe onde está o Paraíso?
Nunca saiu de Portugal para o procurar?... A dúvida manteve-se e mantém-se.
Será que de facto sabe onde está o Paraíso?... Se assim é, seja tão caridoso
como costuma, diga-me onde está, para poder ajudar também esta gente. Vá,
responda depressa! Um grande e apertado abraço do velho companheiro e amigo que
muito o estima” (Luís do Espírito Santo, Vivências, p.59). Esta citação ilustra o apreço que se tinha por
António Quadros, fosse no plano pessoal quanto no filosófico e de pensamento no
Grupo da Filosofia Portuguesa. O
Colóquio decorreu sensivelmente na sequência da suspensão da célebre publicação
do “Movimento 57” (Movimento da Cultura Portuguesa, 1957-62) dirigido por
António Quadros. Além deles, participaram
Fernando Silvan, Fernando Morgado, António Braz Teixeira, Francisco
Sotto Mayor, Alexandre Coelho e Francisco da Cunha Leão. Estes e muitos outros
dados foram vivamente recordados por quem saberá muito melhor que eu e assistiu
àquele importante encontro, Pinharanda Gomes, na sua interessante conferência no
recente Colóquio sobre António Quadros em Maio de 2013 (1). Eis outro exemplo
de admiração por António Quadros. Tive o prazer de ser apresentado a Pinharanda
Gomes por Luís do Espírito Santo em finais dos anos 90 numa sessão de
lançamento de um livro deste último. Diga-se de passagem que comecei a ler com
entusiasmo Pinharanda Gomes quando contava cerca de 20 anos ou pouco mais.
Nomeadamente, Pensamento e Movimento,
Teoria do Pão e da Palavra, entre
outros.
Mas voltemos a
António Quadros e ao tema deste texto: “Leitor e divulgador de Fernando Pessoa”.
Tendo um importante papel na Filosofia Portuguesa, António Quadros foi, entre
muitas outras vertentes da sua produção (por exemplo, ficção, poesia, etc.),
admirador, leitor e divulgador de Fernando Pessoa.
Ora, é também na
abordagem que Quadros faz da obra de Pessoa que se poderão estabelecer pontes
com a filosofia portuguesa, o ideal português, o pensamento português. Tentarei
mostrá-lo tanto quanto possível neste texto.
A Obra de Fernando Pessoa organizada e
apresentada por Quadros, com interessantes análises, em meados de 80, pelas Publicações
Europa-América, atesta a sua preocupação em dar a conhecer ao grande público,
numa edição economicamente acessível, em livros de bolso, a obra daquele grande
poeta. Conto-me entre aqueles que leram e lêem muito Pessoa através daquelas
agradáveis edições.
Fernando Pessoa
foi um grande poeta que reflectiu seriamente sobre Portugal, e, no fundo,
correlativamente, o pensamento português. Não indo mais longe, basta lembrar o
grande poema Mensagem. Mas parte
importante da sua prosa abrange também estas temáticas. Não poderei nem tenho
competência para desenvolver estas questões, menos ainda nestas breves linhas.
Como ilustra o
título deste curto texto, António Quadros, como já o disse, não foi só um
divulgador, foi também leitor de Fernando Pessoa. Nele, as duas vertentes não
se excluem. Antes, pelo contrário, se entrecruzam. Foi o que aconteceu de um
modo particular com os textos de António Quadros dedicados a Fernando Pessoa.
Todavia, limitar-me-ei a apresentar duas breves passagens de dois livros seus.
Elas ilustram, poderiam ser muitas outras, de alguma maneira, a atenção dada
por Quadros à obra de Pessoa no que diz respeito a certas questões sobre
Portugal, o “Ideal Português” (título do Colóquio de 1961), o Quinto Império, Mensagem, comportando, por assim dizer, as
questões do pensamento português, da filosofia portuguesa e da realidade de
Portugal nos nossos dias. É que questionar - pôr a questão, na sua
particularidade - o pensamento e a filosofia portugueses, não retira, antes
legitima - é condição de possibilidade - pensar e filosofar essa questão, na
sua universalidade, a saber, para qualquer país. Ou ainda, que a questão, como
tal, se pode colocar independentemente deste ou daquele país, desta ou daquela
língua, região ou nação. Um pouco como um dos três tópicos assinalados por José
Marinho no seu texto “Filosofia Portuguesa e Universalidade da Filosofia” na
linha de Álvaro Ribeiro em O Problema da
Filosofia Portuguesa (2): “2.º Que o
haver laranjas de Setúbal, assim como nos permite e nos autoriza chamar-lhes
laranjas portuguesas do mesmo passo aos deliciosos frutos e seu conceito não
retira à forma única e universal sabor ou sentido” (José Marinho, Estudos Sobre o Pensamento Português
Contemporâneo, p.10). Pois: “Alguns dos homens mais inteligentes do País
colocam-nos na urgência de examinar a questão” (Op. cit. p.9).
Eis os dois
trechos de António Quadros, o segundo incluindo uma passagem de Fernando Pessoa:
“Mas é principalmente no significado
profundo e cifrado da história portuguesa, que Fernando Pessoa visiona a lenta
marcha de uma ideia-força, o lento desabrochar de uma missão espiritual
superior, a lenta caminhada do Messias que, mais do que o mítico D. Sebastião
que o poeta julgou ver encarar no seu
Presidente-Rei Sidónio Pais, será a própria pátria portuguesa, mormente na sua
definição supra-histórica, isto é, como Língua, Literatura e Filosofia. É este,
como se sabe, o sentido da Mensagem” (António
Quadros, Fernando Pessoa, A Obra e o Homem,
p. 293). “Para os nossos contemporâneos,
neste tempo de esvaziamento de valores espirituais resultará estranha,
desconcertante, bizarra ou louca a forma como estes homens, um Camões, um Frei
Bernardo de Brito, um Vieira, um Pessoa e os mitogenistas portugueses do Quinto
Império, foram capazes de pensar e escrever aparentemente contra o lógico e o
plausível, a partir de um país tão autodiminuído, tão autovilipendiado, com
tantas fraquezas económicas, sociais e psicológicas, com tantos complexos de
inferioridade como o é o Portugal moderno. Por isso, terminando, propomos à sua
reflexão este pequeno texto, também de Fernando Pessoa: podermos vir a ter esse império não prova, é
certo, que viremos a tê-lo; porém se o não pudermos ter é que com certeza o não
teremos. Preparemos o caminho dos grandes génios portugueses, ainda que, contra
a voz profética, eles não venham nunca. Teremos perdido o jogo, porém ganho a
experiência dele. O esforço de um alto propósito é, de per si, um resultado
desse alto propósito, o que se nos acrescenta de grande para pensarmos sempre
em grandes coisas é o primeiro feito dessas grandes coisas. Não se poderá dizer
que nunca se realiza um alto propósito, se ele chega a ser um alto propósito.
Já com sê-lo, em certo modo se realizou” (António Quadros, Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio, p. 305).
Notas:
(1) Conferência registada
em vídeo: http://youtu.be/jIncQXq9IhQ
(2) Vj. p.ex. a
este propósito o artigo de António Cândido Franco “ Filosofia Portuguesa” em:
Referências
bibliográficas:
Álvaro Ribeiro, O
Problema da Filosofia Portuguesa, Lisboa, Inquérito, 1943.
António Quadros, Fernando Pessoa, Lisboa, Arcádia, Col. A obra e o homem, 1960.
António Quadros, Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio, Lisboa, Dom Quixote, 1992.
Fernando Pessoa, Portugal, Sebastianismo e Quinto Império,
Prefácio, introduções, notas e organização de António Quadros, Europa-América,
1986.
José Marinho, Estudos Sobre o Pensamento Português
Contemporâneo, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981.
Luís
do Espírito Santo, Vivências, Cartas da
América, Lisboa, Ésquilo, 1998.
Luís Tavares, «António Quadros, Leitor e Divulgador de Fernando Pessoa», in revista Nova Águia, nº12, 2º semestre, 2013, pp. 57-58, Zéfiro.
http://www.youtube.com/user/Luis88571
http://www.youtube.com/user/Luis88571
No dia do lançamento do nº 12 da Nova Águia, 15/10/2013, numa esplanada das portas de Santo Antão: (da esquerda para a direita) João Bigotte Chorão, Jesué Pinharanda Gomes, Luís de Barreiros Tavares, General Garcia Leandro e Manuel Ferreira Patrício.
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