(2008)
Pedro Maia e Silva - Luís Tavares
Um dos vários livros de edição de autor (neste caso, de co-autoria) publicados pelo movimento Ágora-Feira-da-Ladra.Fotografias de Pedro Maia e Silva - Texto do Preâmbulo: Luís de Barreiros Tavares - Texto crítico de Luís de Barreiros Tavares e Pedro Maia e Silva.
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Pedro Olaia é pseudónimo do co-autor Pedro Maia e Silva.
João Gonçalves é pseudónimo do João Alves.
Preparando o livro em casa de Luís de Barreiros Tavares (ao centro), Pedro Maia e Silva (à esquerda) e João Luís Alves (à direita).
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Pedro Maia e Silva, Alexandra Gomes e João Luís Alves.
Pedro Maia e Silva e Luís de Barreiros Tavares.
Versão ainda não reduzida do preâmbulo que foi publicado:
Preâmbulo
1. As linhas de força, suspensas no momento da captação da máquina, sugerem ao espectador a percepção de como o autor encontra as linhas da composição plástica e estética. O espectador também cria a obra ao observá-la - como escreve Marcel Duchamp em «O processo criativo» no seu livro «Duchamp du Signe» (1). Assim, o espectador pode percepcionar os movimentos dos materiais em estúdio (studium) e percepcionar ao mesmo tempo o movimento de captação do artista quando escolhe o ponto fulcral (punctum).
A máquina capta o movimento, contraindo-o. Mas o momento expande-se imaginariamente na observação a que ele é sujeito enquanto imagem retida. Assim, a imagem retida abre por seu turno o caminho à imaginação. No jogo entre os sentidos, as percepções e as sensações, entre o momento-movimento captado e a imaginação expandida e plena de movimento e devir, desencadeia-se a percepção de outro movimento virtual.
Mas o momento captado pelo artista tem uma palavra decisiva. Ele desencadeia múltiplas possibilidades imaginárias antes e depois do instante. O instante expande-se (expansão do instante) na sua própria efemeridade. Porquê efemeridade? Por que o instante na sua expansão dilui-se. Ele flui, abrindo novas possibilidades aqui e agora. Ele expande-se para a percepção e para a imaginação.
Por outras palavras, o movimento é captado (paragem no tempo). Mas esta captação guarda a tensão do movimento que se estende no tempo do espectador. Este tempo do espectador (seja o do criador – que também é espectador, seja o do não criador) é o tempo do pensamento, do conceito, da imaginação e das sensações. Porquê? Porque o tempo retido pelo fotógrafo sofre a retroacção do observador. Mas o fotógrafo percepciona também para aquém e para além do momento. Ele prevê - pré-vê- e per-vê (percepciona). Nesta oscilação que enigmaticamente funde o natural e o técnico, a retenção e contracção do momento fotográfico sofre ao mesmo tempo uma distensão. O instante da contracção sofre nele mesmo o instante de des-contracção. Eis a "expansão do instante". A imagem retida, como que virtualmente, nela mesma, em imanência, se estende, se re-movimenta. A partir da tensão sugerida dos fluxos captados. Momento acrescido de libertação dos sentidos, das sensações através da complexa relação entre o fotográfico técnico (o olho da máquina) e o fotográfico natural (olho humano).
2. Nestas imagens de Pedro Maia e Silva ocorrem-nos figuras, umas vezes graciosas, outras vezes estranhas. Elas parecem-nos animadas. E animadas precisamente na tensão dinâmica entre o estático e o movimento.
Por isso o artista escolhe o momento. Momento-movimento entre os movimentos que o atravessavam in concreto antes durante e depois (2). Nesse 'punctum' de captação desencadeiam-se outros possíveis movimentos em abstracto.
A dimensão da imaginação através da previsão e da percepção (per-visão) desdobra-se. É aqui que o artista tem o papel privilegiado de redimensionar um segundo momento abstractivo-concreto. E o momento de escolha do punctum é tão mais intenso quanto mais o autor sabe jogar a dinâmica de sensações que ele vive. Pedro Maia e Silva consegue escolher o momento de fixação. Mas esta escolha traz nela mesma, em imanência, toda uma duração que exigiu um trabalho de pensamento. Precisamente a atenção e a concentração. O trabalho de pensamento do processo criativo que antecede e pós-cede o trabalho de pensamento do instante oportuno. Daí que o instante se expanda.
Verifica-se também uma relação complexa entre o orgânico e o inorgânico. Sugestão bem conseguida por Pedro Maia e Silva. Precisamente quando estas suas imagens sugerem enigmaticamente uma percepção estética que circula entre o geológico e o biológico. Umas vezes julgamos ver partículas inorgânicas, noutras, micro-organismos.
Noutras alturas, as mesmas imagens, em alternância perceptiva entre si, parecem, p.ex., retiradas de fenómenos celulares, como já mencionámos acima, observados e ampliados ao microscópico. Mas num jogo interessante de escalas que vai desde o macroscópico ao microscópico. Por vezes parecemos contemplar via satélite um qualquer fenómeno atmosférico, um anticiclone, p.ex., num qualquer planeta distante, ou um planeta Terra já transformado num qualquer tempo e espaço indefinidos. Noutros momentos, parecemos ver figuras ou seres estranhos, como que saídos de uma maravilhosa lâmpada de Aladino. Seres de outros planetas? De outros mundos paralelos? Buracos negros ou estranhos olhos cosmogenésicos. Mas, curiosamente, o efeito conseguido resulta num cruzamento de escalas que não deixam de manter as suas definições. Quer dizer, podemos transitar virtualmente entre elas enquanto se nos deparam as imagens. Mais um exemplo de como as novas formas de percepção que vamos presenciando por força da nossa intervenção, enquanto animais-humanos, alteram, por feed-back, a própria percepção, a realidade e o nosso modo de pensamento.
3. O trabalho de Pedro Maia e Silva é feito na simplicidade de um estúdio à escala média. Sem o recurso a grandes complexidades laboratoriais. Mas com a força de um trabalho artesanal, embora efémero. Ou, por outras palavras, com a força perceptiva genuína que se mantém fiel ao sentido táctil da matéria e ao ofício primevo e mágico dos demiurgos. Coisa que se está a perder. Infelizmente em prol de uma arte cada vez mais asséptica e fria. Uma arte empolada, aberta, mas sem o necessário encanto do mistério. Enfim, hoje corremos o risco de perder o espectáculo por força do puro 'espectáculo pelo espectáculo'. Hoje há uma certa arte despida e sem o mistério que joga magicamente o labor da oficina, do estúdio… Sem o mistério de um trabalho grandioso que ao mesmo tempo trabalha maravilhosamente as pequenas criaturas do mundo. Insectos, seres-signos, signos-animados, etc. Um trabalho ao mesmo tempo grandioso e 'micro'. Como o era por exemplo o de Miró e de Klee, com toda a sua graciosidade e força ontológica. Pedro Maia e Silva consegue também gerar as suas figuras vindas da matéria, dos fluxos em movimento.
Grande parte da arte actual, por força do seu desbragamento, que tem o efeito inverso de frouxidão, e, em virtude de um período de já quase um século após as grandes e maravilhosas revoluções artísticas iniciadas no início do século passado (por exemplo Malévitch, Duchamp, etc), parece ter atingido um ponto que exige repensá-la. Qualquer coisa de pletórico, de pretensamente pleno, aberto, que no seu auto-deslumbramento ilusório de plenitude, recai num esvaziamento desértico. Num deserto de miragens narcísicas delas mesmas. Que é afinal um pouco o Mundo que hoje nos rodeia. Enfim, uma arte ultrapassada pela própria ultrapassagem que efectuou no seu desenvolvimento frutuoso mas agora im-pensado. Infelizmente, estamos longe de uma outra forma de vazio-pleno que é a do budismo oriental.
Encontramo-nos num certo impasse precisamente porque a velocidade de produção atingiu um nível exacerbado tal que se excede a ela mesmo ao ponto de o efeito de aceleração e da profusão desenfreada produzir um segundo efeito inverso de estagnação e regressão imperceptível por força de certas «modas» que afinal não estão a mudar nada. De tal maneira que os conceitos de 'evolução' e 'involução' exigem ser re-questionados. Isto exige igualmente uma cautela reflexiva e uma outra forma de encarar a arte à maneira de um novo apelo à magia, a uma nova aura e ao sentido da alquimia, etc.
Pedro Maia e Silva sugere-nos uma curiosa génese do mundo, das coisas e da matéria… Génese re-feita graças às novas formas que temos hoje de percepcionar e transformar a realidade. Através do olhar artístico e da técnica do olhar fotográfico. Mas Pedro Maia e Silva joga com o avanço e o recuo. Quer dizer, não se trata de ser retrógrado nem de não dar o passo que se exige «definitivo». Trata-se como o autor diz de «não colocar a fasquia demasiado alta». Calcular este passo é transmutar o princípio e o fim, o ponto de partida e o ponto de chegada, ao ponto de, paradoxal e paroxisticamente, imprimir um outro impulso que pode ir mais longe porque precisamente se desvia, in-flecte, relativamente ao que aparentemente parece mais evidente como mais avançado: o das modas ou o das «grandezas fáceis». Quase tudo se torna mais caro, inclusivamente as obras plásticas. Elas são cada vez mais caras. Mas curiosamente, muitas delas parecem ser cada vez mais gratuitas nas suas ambições espirituais e, precisamente, na sua absorção por um mercado voraz.
4. Pedro Maia e Silva tem o fascínio dos números e das matemáticas iniciáticas na arte. Daí o seu interesse em realizar obras pictóricas abstractas em que se percebe a busca - que é sempre uma busca em nosso entender - da 'regra de ouro'. Por exemplo no aspecto flutuante mas pleno de equilíbrio que ele consegue em algumas das suas obras pictóricas. Assunto que eventualmente tratarei noutro texto sobre a sua obra pictórica. No entanto, este aspecto pode verificar-se igualmente nos 'timings' de captação fotográfica dos fluidos e dos seus movimentos no caso das imagens apresentadas neste livro.
Na tensão da grandeza da criação que se expande mas que mantém o sentido do ofício secreto, o trabalho de Pedro Maia e Silva diverge, como já dissemos e insistimos, do de uma certa arte cada vez menos pensada plasticamente, mais anestesiada, mais «deslavada», mais empolgada com ela mesma. Isto revela-se bem num determinado tipo de ostentação artística, um impacto pelo impacto, que deixa muito a desejar. Embora este fenómeno, de tão actual, seja difícil de definir.
Assim, à revelia de toda uma série de contextos que atravessam o panorama da arte actual, certamente atento, e respondendo a seu modo, Pedro Maia e Silva consegue nesta sua obra sugerir estética e artisticamente toda uma miríade de possibilidades perceptivas das coisas.
(1) Duchamp, M., Duchamp du Signe, Paris, Gallimard.
(2 )É curioso que "momentum" deriva, no latim, da acepção de "movimento".
Luís de Barreiros Tavares
Alverca, 13/4/2008
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